sexta-feira, 13 de abril de 2007

O concurso de canto


Ontem, enquanto lia o meu actual livro de cabeceira (Deixa-me que te conte – Jorge Bucay), descobri um novo significado da palavra “Mesquinho”…
“Mesquinho” deve ser o que carece, ou crê que carece, do mais necessário. É aquele que necessita do que não tem para deixar de ser tacanho; é aquele que se nega a dar, porque quer tudo só para si; é aquele pobre coitado e infeliz que não consegue ver os desejos dos outros, só os seus.
A propósito de tudo isto, vinha também uma história que definia bem tudo aquilo que tinha acabado que ler, por isso vou partilhar a história para que possam pensar…

Um dia, chegou à selva um mocho que estivera em cativeiro, e explicou a todos os outros animais os costumes dos humanos.
Contou, por exemplo, que nas cidades os homens qualificavam os artistas por categorias, a fim de decidir quem eram os melhores em cada disciplina: pintura, escultura, canto…
A ideia de adoptar costumes humanos enraizou-se nos animais e, talvez por isso, decidiram organizar imediatamente um concurso de canto, em que se inscreveram quase todos os presentes, desde o pintassilgo ao rinoceronte.
Orientados pelo mocho, que aprendera muito na cidade, decretaram que o concurso se resolveria por votação secreta e universal de todos os concorrentes, que, deste modo, seriam o seu próprio juiz.
E assim foi. Todos os animais, incluindo o homem, subiram ao palco e cantaram, recebendo um maior ou menor aplauso da plateia. Depois, anotaram o seu voto num papelinho e colocaram-no, dobrado, dentro de uma grande urna, vigiado pelo mocho.
Quando chegou o momento da contagem, o mocho subiu ao palco improvisado e, ladeado por dois velhos macacos, abriu a urna para começar a contar os votos daquele «transparente acto eleitoral», «gala de voto universal e secreto» e «exemplo de vocação democrática», como ouvira os políticos da cidade dizer.
Um dos anciãos tirou o primeiro voto e o mocho, perante a emoção geral, gritou:
- O primeiro voto, irmãos, vai para o nosso amigo burro!
Fez-se silêncio, seguido de alguns tímidos aplausos.
- Segundo voto: o burro!
Desconcerto geral.
- Terceiro voto: o burro!
Os concorrentes começaram a olhar uns para os outros, surpreendidos no princípio, depois com olhos acusadores e, por fim, ao verem suceder-se os votos para o burro, cada vez mais envergonhados e sentindo-se culpados pelos seus próprios votos.
Todos sabiam que não havia canto pior do que o desastroso urrar do equino. No entanto, os votos, uns atrás dos outros, elegiam o burro como o melhor dos cantores.
E, assim aconteceu que, terminado o escrutínio, ficou decidido por «livre eleição de um júri imparcial» que o desafinado e estridente zurrar do burro era o vencedor.
E este foi declarado como «a melhor voz da selva e arredores».
O mocho explicou depois o sucedido: cada concorrente, considerando-se a si mesmo o indubitável vencedor, tinha dado o seu voto ao menos qualificado dos concorrentes, aquele que não constituía qualquer espécie de ameaça.
A votação foi quase unânime. Só dois votos não foram atribuídos ao burro: o do próprio burro, que achava que não tinha nada a perder e votara sinceramente na calhandra, e o do homem que, claro está, votara em si mesmo.

Conclusão: é isto o que faz da nossa sociedade uma sociedade mesquinha. Quando nos sentimos tão importantes que não deixamos lugar para os outros, quando nos julgamos tão bons que não conseguimos ver um palmo além do nosso nariz, quando nos imaginamos tão maravilhosos que não concebemos outra hipótese que não seja possuir tudo o que desejamos, então, muitas vezes, a vaidade, a miséria, a estupidez e a tacanhice tornam-nos mesquinhos. Não egoístas mas MESQUINHOS!

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